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quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Semana da cultura Afro-Lusófona: o escritor moçambicano Mia Couto

por Ellen Reis
Devo confessar que, ao ouvir falar de Mia Couto, pensei se tratar de uma mulher. E quando soube que era natural de Moçambique já pensei em uma negra exuberante. Ainda bem que eu não fui a única: em uma visita diplomática à Cuba, os assessores de Fidel Castro presentearam Mia com artigos femininos.(tremenda gafe)

Mia, desde criança, tinha certa necessidade em desobedecer às normas. 
Segundo ele, aos dois anos de idade decide mudar o seu nome de António para Mia, devido a sua imensa afetividade com os gatos. Pensava ser um deles. Mais tarde, essa inquietação em modificar as coisas é refletida em sua literatura. Comparado ao poeta brasileiro João Guimarães Rosa por, assim como ele, inventar palavras, Mia é um dos maiores escritores contemporâneos africanos e da literatura de língua portuguesa.

Não somente por ser o autor de seu país mais traduzido no mundo, por ser um dos compositores do hino nacional de sua pátria, por ter sido o primeiro africano a vencer o União Latina das Literaturas Românticas ou por seu romance “Terra Sonâmbula” ter sido eleito um dos 12 melhores livros de toda a África do século XX, que merece aplausos. Ele é, antes tudo, um escritor. Sem os seus prêmios ele continua sendo um escritor que luta contra o analfabetismo que atinge a metade do seu país. Sua nação está entre os 20 países mais pobres do mundo. Durante o processo de luta pela independência de Moçambique, Mia não podia pegar em armas porque era um moçambicano branco, filho de portugueses, e a Frente de Libertação de Moçambique, da qual fazia parte, tinha um componente racista muito forte. E, por ser branco, não era confiável entregar-lhe uma arma. Então, a sua única saída foi combater, como fez, na área política do ensino.

Longe de querer mostrar um país caricatural e folclórico, Mia tenta mostrar em suas obras aquilo que é mais genuíno em seu país: sua cultura, como de fato ela é. Diferentemente do olhar que nos foi dado pelos europeus, Moçambique, segundo o escritor, tem se libertado da necessidade de reafirmação da sua identidade e africanidade. “O escritor africano está fazendo alguma coisa que é profundamente universal. Ele está fazendo literatura, ponto final”, declarou. Mia exalta a imagem de escritor ao dizer que “o escritor é um vencedor quando, perante a página em branco, é capaz de superar essa solidão”.


Para finalizar, “deixo na boca o gosto dos versos” de Mia Couto:

Identidade

Preciso ser um outro
Para ser eu mesmo

Sou o grão de rocha
Sou o vento que a desgasta

Sou pólen sem insecto

Sou areia sustentando
o sexo das árvores

Existo onde me desconheço
Aguardando pelo meu passado
Ansiando a esperança do futuro

No mundo que combato morro
No mundo porque luto nasço.

                                      (Mia Couto, in Raiz de Orvalho e Outros Poemas)


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